Aula 2: A logica e seus inimigos


A ambição dos filósofos foi quase sempre á de adquirir conhecimento. Vimos brevemente sobre que em particular os filósofos desejam adquirir conhecimentos. Pelo menos no começo, mas em grande medida ainda hoje, se trata de conhecimentos sobre as mesmas questões que suscitam espanto em nós quando contemplamos os mitos. A nossa origem, a origem do universo, a morte, o nosso destino, o significado da vida, o lugar dos seres humanos no universo, o bem e o mal, os fenômenos celestes... etc. Nestes assuntos profundos, assim como nos mais pequenos assuntos da vida quotidiana, não nos contentamos de ter opiniões sobre as coisas, porque sabemos que as opiniões, mesmo aquelas sobre as quais temos absoluta certeza, podem se revelar falsas. Como vimos, o conhecimento, sobre qualquer coisa, precisa de mais do que a mera opinião (doxa). E precisa até mais do que a mera verdade desta opinião: o conhecimento é crença verdadeira e justificada.

A logica, num sentido muito geral, é a ciência da justificação: o estudo sistemático do que faz com que certas razões para acreditar em algo sejam boas, e outra más. E’ a difícil arte do raciocinar bem.   
A lógica tem sido frequentemente definida como a ciência das leis do pensamento. Mas esta definição, conquanto ofereça um indício sobre a natureza da lógica, não é exata. Se "pensamento" é qualquer processo mental que se produz na psique das pessoas, nem todo o pensamento constitui um objeto de estudo para o lógico. Todo raciocínio é pensamento, mas nem todo pensamento é raciocínio. Por exemplo, é possível "pensar" em um número entre um e dez, como num jogo de sala, sem elaborar qualquer "raciocínio" sobre o mesmo. Há muitos processos mentais ou tipos de pensamento que são distintos do raciocínio. É possível recordar algo, ou imaginá-lo, ou lamentá-lo, sem raciocinar sobre isso.

Uma outra definição comum da lógica é a que a caracteriza como ciência do raciocínio. Esta definição evita a objeção de acima e, portanto, é melhor, mas ainda não é adequada. O raciocínio é um gênero especial de pensamento no qual se realizam inferências ou se derivam conclusões a partir de premissas.

Mas o lógico não está interessado, em absoluto, nos obscuros caminhos pelos quais a mente chega às suas conclusões durante os processos concretos de raciocínio. Ao lógico só interessa a correção do processo, uma vez completado. Sua interrogação é sempre esta: a conclusão a que se chegou deriva das premissas usadas ou pressupostas? Se as fornecem bases ou boas provas para a conclusão, se a afirmação da verdade das premissas garante a afirmação de que a conclusão também é verdadeira, então o raciocínio é. No caso contrário, é incorreto. A distinção entre o raciocínio correto incorreto é o problema central que incumbe à lógica tratar.

Na ultima aula tocamos, antecipando um pouco nossa exposição da logica, na importante distinção entre validade e solidez (correção) dos argumentos.

Um raciocínio é válido quando suas premissas, se verdadeiras, fornecem provas convincentes para sua conclusão. Isto é, quando as premissas e a conclusão estão de tal modo relacionadas que é absolutamente impossível as premissas serem verdadeiras se a conclusão tampouco for verdadeira. Todo raciocínio (ou argumento) é válido ou inválido.

A tarefa da lógica dedutiva é esclarecer a natureza da relação entre as premissas e a conclusão em argumentos válidos, e assim, nos permitir que discriminemos os argumentos válidos dos inválidos.

 Um argumento pode ser valido mesmo se todas suas premissas são falsa (nesse caso, a conclusão também será falsa. Por exemplo, considerem esse argumento:

Todas as aranhas têm seis pernas.
Todos os seres de seis pernas têm asas.
__________________________________
Portanto, todas as aranhas têm asas.

Este argumento é válido, mesmo se ambas suas premissas são falsas, porque, SE suas premissas fossem verdadeiras, sua conclusão também teria que ser verdadeira.

O termo "sólido" (ou ”correto”) é introduzido para caracterizar um argumento válido cujas premissas são todas verdadeiras.

Evidentemente, a conclusão de um argumento sólido é verdadeira. Um raciocínio dedutivo não consegue estabelecer a verdade da sua conclusão se não for sólido, o que significa ou (1) que não é válido, ou, se for valido, (2) que nem todas suas premissas são verdadeiras.

Naturalmente, a logica será de alguma utilidade apenas se nos permite distinguir o genuíno conhecimento da mera opinião. Como vimos na aula, enquanto colocamos nossas opiniões ao desafio da justificação, nos enfrentamos com aparentemente boas razoes para acreditar numa tese e também no seu contrario. Essa é a circunstancia que os gregos chamavam de aporia. Por exemplo:


Ou o mal não existe, ou Deus no existe.
O mal existe
_________________________________
Deus não existe

Ou a vida não tem sentido, ou Deus existe.
A vida tem sentido.
 ___________________________________
Deus existe



Como vimos, a razao (por meio da logica) não desespera imediatamente, frente a essas aporias. Os dois argumentos aqui encima são ambos formalmente validos. Por tanto SE todas suas premissas fossem verdadeiras, ambas conclusões seriam verdadeiras também. Mas isso é impossível, porque se fosse o caso, deveríamos concluir que Deus existe e não existe, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, o que é absurdo (Principio de Contradição).  Cada uma dessas premissas, por tanto, deverá enfrentar a sua vez o tribunal da razão; ou seja, deveremos nos perguntar quais (boas) razoes, quais argumentos temos para acreditar (ou não acreditar) em cada uma delas. E cada um desses argumentos, a sua vez, deverá ser avaliado enquanto á sua validade e correção. 

Todo isso na esperança de chegar a um ponto estável, onde os argumentos considerados são  validos e corretos, enquanto suas premissas são certamente, ou muito provavelmente verdadeiras.

O relativismo aletico e epistemologico

Como vimos, segundo um dogma de moda em muitos ambientes acadêmicos, e muito ridiculizado em  outros, a ambição que estamos descrevendo é irrealizável. Seria irrealizável por uma ou ambas as seguintes razoes. Porque a verdade, entendida como correspondência a fatos independentes da linguagem, da cultura ou da sociedade não existe (Relativismo aletico). Ou bem porque a ideia de uma justificação racional, que seja independente da linguagem, da cultura ou da sociedade esta errada (Relativismo Epistemológico).


Quando cientistas franceses que trabalhavam sobre a múmia de Ramsés II (morto em 1213 a.C.) concluíram que Ramsés provavelmente tinha morrido de tuberculose, o sociólogo da ciência Bruno Latour, respeitado em alguns ambientes academicos, e considerado um charlatão em outros, negou que isso fosse possível:

"Como ele poderia morrer devido a um bacilo descoberto por Robert Koch em 1882?"

Latour observou que assim como seria um anacronismo dizer que Ramsés morreu de um disparo de
metralhadora, também seria um anacronismo dizer que morreu de tuberculose. Em suas palavras:
"Antes de Koch, o bacilo não tinha existência real" .


Segundo os adeptos da religião do relativismo, a espareça de se servir da razão para resolver problemas filosóficos é naife e vã. Como tentarei explicar durante nossas aulas, paralelamente á nossa jornada na arte da logica, a mia opinião (motivada racionalmente) é que seja essa moda acadêmica a ser naife e danosa.

Como escreveu profeticamente Bertrand Russell no seu Historia da Filosofia Ocidental:



        O conceito de "verdade", como algo dependente de fatos que ultrapassam largamente o controle humano, foi uma das maneiras pela qual a filosofia inculcou, até agora, a necessária dose de humildade. Quando este entrave ao nosso orgulho for afastado, um passo mais terá sido dado no  caminho que leva a uma espécie de loucura —a intoxicação de poder que invadiu a filosofia […], à qual os homens modernos, filósofos ou não, estão propensos. Estou persuadido de que essa intoxicação é o maior perigo do nosso tempo, que toda filosofia que, mesmo sem intenção, contribua para isso estar aumentando o perigo de um vasto desastre social.

         Bertrand Russell, History of Western Philosophy (1961: 782)


Leituras essenciais

Leam o primeiro capitulo (Introdução) do livro de texto Copi - Introdução á Lógica

No final de cada parrafo, acharam uns exercícios, bem parecidos com aqueles que vão comparecer no exame final. Começem a se familiarizar com eles.

Leituras opcionais

Os interessados ao assunto do relativismo e da moda da escuridão conceitual podem ler as introduçoes dos livros: Bogossian - Medo do Conhecimento e Sokal - Imposturas Intelectuais

Slides:

Aula 2: A logica e seus inimigos

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