Aulas 18-20: Mais dedução natural

Nas últimas aulas continuamos a introdução á técnica da dedução natural.

Os conceitos fundamentais da logica que estamos tratando, a logica proposicional, foram desenvolvidos pelo filosofo grego Crisipo de Solos  (Solos, c. 280 a.C. — Atenas, ca. 208 a.C.), um dos maiores exponentes do estocicismo. A ideia que fundamenta a técnica que estamos tratando deriva da intuição que o raciocínio valido tem uma alma "mecânica", ou "formal". A ideia de uma linguagem formal que capture a essência formal do raciocínio foi expressada claramente por primeira vez por el filosofo e matemático Gottfried Wilhelm Leibniz. A sua ideia de um "calculus ratiocinatur", de um calculo do raciocínio, é o precursor do metodo que estamos tratando, e de toda a logica moderna.

A forma dos argumentos... outra vez. 

Nas primeiras aulas desse curso vimos como diferentes raciocínios (argumentos) validos parecem ter algo em comum, uma mesma forma. Os dois argumentos aqui embaixo, por exemplo, parecem ter algo em comum, a pesar de chegar a conclusões opostas:


Ou o mal não existe, ou Deus no existe.
O mal existe
_________________________________
Deus não existe

Ou a vida não tem sentido, ou Deus existe.
A vida tem sentido.
 ___________________________________
Deus existe



O que é que eles tem em comum? 

Por começar, a primeira premissa de ambos argumentos é uma "disjunção": "Ou ----, ou ----". Para expressar a forma geral dessas premissas, abstraindo dos particulares conteúdos expressados, usamos as letras latinas minusculas (p, q...):  p V q

Substituindo p com "o mal não existe", e q com "Deus existe", por exemplo, obtemos a primeira premissa do argumento na esquerda.

A segunda coisa que os dois argumentos tem em comum, é que as segundas premissas de ambos argumentos são a negação, respeitativamente, dos primeiros disjuntos das primeiras: 

O primeiro disjunto da primeira premissa do primeiro argumento, por exemplo, é o mal não existe. A segunda premissa é: O mal existe. A primeira frase diz o contrario da segunda: a segunda é a negação da primeira. O mesmo vale por el segundo argumento: a frase a vida não tem sentido (o primeiro disjunto do segundo argumento, é negada pela segunda premissa, ou seja A vida tem sentido. Dado que indicamos os primeiros disjuntos com a letra p, e que conveniemos de indicar a negação com o simbolo ~, podemos expressar a foma das segundas premissas com a formula: ~p.

A terceira similaridade entre os dois argumentos é que ambas conclusões são idênticas aos dois segundos disjuntos das primeiras premissas. Deus não existe, a conclusão do primeiro argumentos, por exemplo, é também o segundo disjunto da primeira premissa: q

A forma desse argumento, portanto, pode ser expressada por:


p V q
~p
__________
q


Esta forma de argumento é a que chamamos "Silogismo disjuntivo". A sua validade pode ser demostrada com o método das tabelas de verdade que tratamos nas aulas passadas. 

As regras de inferência básicas 



A ideia da técnica de demostração que estamos tratando é a seguente. Qualquer argumento valido, não importa quanto complexo, pode ser "decomposto" em uma serie de passos elementares. Em certo sentido, isso é parecido á técnica de calculo de multiplicações que aprendemos na escola quando somos crianças. Para calcular uma multiplicação complexa, procedemos por passos simples, cada um dos quais consiste em multiplicar ou somar dois números entre 0 e 9, ou escrever dígitos encima dos números...etc. Cada passo é totalmente elementar. Assim, se tomar cuidado de não cometer erros triviais, podemos chegar ao resultado final com certeza que seja correto. 

Analogamente, por cada argumento formalmente valido, por quanto complexo, sempre existe uma cadeia de raciocínios elementares - como o silogismo disjuntivo formalizado aqui encima - que nos leva até a conclusão. Cada passo consiste na aplicação de uma (e apenas uma) regra de inferência elementar, escolhida entre as 7 que já vimos varias vezes na aula. Estas são:





                                                                          
Cada uma dessas regras representa a forma de um raciocínio elementar. Todos nos usamos cada um desses raciocínios básicos em cada momento. Recomendo que vocês memorizem estas 7 regras de inferência, se perguntando por cada uma qual exemplo concreto de raciocínio poderia ser uma instancia dessas regras. 

Sendo raciocínios validos, todas as formas elencadas aqui encima podem ser verificadas com o método das tabelas de verdade. Façam todas essas provas como exercício (é possível que alguns exercícios na prova consistam em provar a validade de alguns desses raciocínios usando as tabelas de verdade). 

Exemplo de exercício


Um exemplo de exercício que utiliza a técnica da dedução natural é o seguinte:



As formulas numeradas (1 e 2) são as premissas formalizadas de um argumento. Na direita da segunda premissa, separada por o simbolo "/", tem a conclusão do argumento. O argumento é valido. O exercício consiste em achar uma cadeia de raciocínios elementares que nos levem das premissas á conclusão. A cada passo, você pode utilizar apenas uma regra das 7 elencadas aqui encima. Não tem apenas um jeito de resolver este tipo de exercício. Sempre tem varias cadeias de raciocínios elementares que levam das premissas á conclusão. Você deve descobrir uma qualquer delas. 

A melhor estrategia para resolver esses exercícios é a seguente. 

Começa se concentrando na conclusão. No ultimo lance do jogo, você deverá chegar a obter a conclusão com uma aplicação de uma regra de inferência. Quais regras acabam com uma conclusão dessa forma (nesse caso: uma conjunção)? Apenas tem uma: conjunção. Para aplicar a regra, você precisa dos dois conjuntos: A e D. Olhando para as premissas, você deve notar que não tem nem A nem D. Porem, se você achasse um jeito de derivar A e D, você teria resolvido o exercício. Como podem se derivar? Por começar, note que A é o primeiro conjunto da primeira premissa, e poderia se derivar por simplificação.

E D? Como poderíamos derivar D? Olhando para as premissas, você notará que D é o consequente de uma proposição hipotética (uma implicação). Portanto, você poderia derivar D se pudesse derivar seu antecedente (A V C). Você não tem (A V C). ... Continue raciocinando deste jeito, se perguntando de qual proposição você precisaria para derivar a conclusão, e de qual proposição você precisa para derivar essa proposição. 

Se você não chega a ter uma estrategia completa, deixe as suas ruminações para o futuro, deixe de pensar na conclusão, e se concentre nas premissas. Em vez de se perguntar do que você precisaria para chegar á conclusão, agora se pergunte: o que é que posso fazer? Qualquer aplicação das regras de inferência é um lance legitimo do jogo, mesmo se não ajuda a resolver o problema. Portanto, se você não sabe o que fazer, faça qualquer coisa permitida. Tomara que com novas premissas, quando você voltar a considerar a conclusão em busca de estrategias, você poderia ter novas intuições. 

Por exemplo, a primeira premissa é uma conjunção: A e B. Daí, com uma aplicação de Simplificação, você pode derivar o primeiro conjunto: A. Isso não resolve tudo, mas é algo. Você pode portanto adicionar duas linhas á sua derivação, especificando na direita (embaixo da conclusão) quais premissas e quais regras foram usadas:  



Agora você tem uma premissa mais que você pode usar para resolver o exercício. Volte portanto a se perguntar o que você precisa para derivar a conclusão. A conclusão é a conjunção de A e D. Você agora tem A. Se pudesse derivar D, teria resolvido o exercício. Lembre que você poderia derivar D aplicando o modus ponens á segunda premissa, se só você tivesse (A V C). Olhe de vez em quando para as regras. Quais regras permitem derivar uma disjunção? Novamente, é apenas a regra de adição que permite isso. Alem disso, a regra é "creativa", no sentido que permite derivar uma disjunção que contem um disjunto que não esta contido na premissa. Você pode portanto derivar A v C usando essa regra:

Novamente, na direita da nova premissa (4) indiquei a regra que foi usada (Ad.) e o numero da premissa á qual foi aplicada (3). Agora pode derivar D aplicando o modus ponens á premissas 2 e 4:

Finalmente, você pode derivar a conclusão, A e D, sendo que você tem tanto A (premissa 3) como D (premissa 5) entre as premissas, e pode aplicar a regra de Conjunção (Conj.): 

Isso conclui o exercício, dado que a ultima linha (6) contem a conclusão. 



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