Aula 3: Linguagem, Pensamento e Realidade

Na ultima aula tratamos principalmente de dois questões.

O reconhecimentos de argumentos, de suas premissas e de suas conclusões 

A primeira, mais superficial, mas importante, fala ao respeito do reconhecimento de argumentos na vida real (nos textos escritos assim como nos discursos verbais). Qualquer texto ou discurso contem muito mais do que puros argumentos. Usamos a linguagem para fazer muitas coisas além de argumentar, ou seja, além de fornecer boas razoes para acreditar em algo. Nos textos e discursos reais, encontramos perguntas, exortações, metáforas, tentativas de seduzir o interlocutor impressionando-o ou suscitando medo nele, informações uteis para entender o contexto... etc. Mesmo os textos mais rigorosos e intelectualmente honestos não apresentam os argumentos de forma esquematizada e imediatamente reconhecível. Eis, por exemplo, como Aristóteles argumenta em
favor da ideia que a terra seja esférica:


"A prova dos sentidos ainda mais confirma isto. Se assim não fosse,como poderiam os eclipses da lua mostrar segmentos da forma que os vemos? De fato, os formatos que a própria lua mostra cada mês são de todos os tipos - regulares e cheios, convexos e côncavos - mas, nos eclipses, o contorno é sempre curvo, e, como é a interposição da terra que faz o eclipse, a forma dessa linha será causada pela forma da superfície da terra que, portanto, é esférica."

[Aristoteles, Dos Céus]

Como vimos, existem indícios linguísticos de que estamos na presença de um argumento: palavras ou frases que indicam que a parte do discurso que as precede ou segue expressa umas premissas, ou uma conclusão de um argumento. Entre os "indicadores de conclusão", por exemplo, encontramos "portanto", "daí", "logo", "assim", "conseqüentemente", "segue-se que", "podemos inferir" e "podemos concluir".  Entre os "indicadores de premissas", em vez, temos: "porque", "desde que", "pois que", "como", "dado que", "tanto mais que" e "pela razão de que". 

No texto de Aristóteles aqui encima, por exemplo, a palavra "portanto" no final indica que a conclusão do argumento é que a terra é esferica. O que precede, se supõe, contem as premissas. Como podem ver relendo o texto, as premissas não são imediatamente discerníveis. Uma delas, por exemplo, esta expressa com uma pergunta retorica, ou seja uma frase declarativa implícita disfarçada de pergunta: "Se assim não fosse [se a terra não fosse esferica] como poderiam os eclipses da lua mostrar segmentos da forma que os vemos?" Com essa pergunta retorica, Aristóteles quer afirmar (não perguntar), que se a terra não fosse esférica a sua sombra na lua durante as eclipses não apareceria curva. 

Adquirir a capacidade de reconhecer argumentos, suas premissas e suas conclusões em discursos reais é um dos objetivos desse curso.

Linguagem, Pensamento e Realidade

A outra questão que tratamos fala ao respeito da natureza das premissas e das conclusões. Observamos que qualquer premissa e qualquer conclusão esta expressa por uma frase declarativa. Apenas essas frases, de fato, são passiveis de ser verdadeiras ou falsas. As perguntas, ou as ordens, por exemplo, não são nem verdadeiras nem falsas. Ainda menos podem ser verdadeiras ou falsas as frases não gramaticais, ou incompletas. 

As frases declarativas, contudo, não podem se identificar com as premissas e as conclusões. Frases diferentes, expressas na mesma língua ou em línguas diferentes,. podem ter o mesmo significado. Por exemplo, Aristóteles obviamente escreveu o argumento acima citado em grego antigo. Mas quem negaria que se trata do mesmo argumento? (pergunta retorica). Se trata do mesmo argumento porque as premissas e a conclusão, e portanto as relações logicas entre elas também, são as mesmas independentemente da linguá que escolhemos para expressa-as.  

Concluímos que as premissas e as conclusões se identificam com os significados das frases declarativas que as expressam, e não com as frases mesmas. O termo técnico com o qual os filosofos e os logicos se referem a estes significados é: proposições. As proposições (ou seja o significado das frases declarativas) representam o mundo como feito de certa maneira.  Por exemplo, a frase declarativa "a terra é esferica" significa uma certa proposição.  Esta proposição representa a terra como esférica. As proposiçoes (e indiretamente as frases e os pensamentos que as expressam) podem portanto ser verdadeiras ou falsas, segundo que o mundo seja de fato da maneira representada por elas ou não. Uma proposição é verdadeira quando o mundo "corresponde" com ela, ou seja quando ele é (objetivamente) como ela o representa. 


No final da aula apresentei, numa versão simplificada, uma possível explicação de como poderia funcionar a relação entre linguagem, pensamento e realidade: o realismo metafisico. Segundo esta doutrina, associada tipicamente por Aristóteles, e ainda hoje sustentada pela maioria dos metafísicos
analíticos e dos filósofos da ciência, o mundo (a realidade) esta articulado em fatos. Os fatos são aquelas partes da realidade que fazem com que as proposições verdadeiras sejam verdadeiras. A proposição expressa por "a terra é esférica", por exemplo, é verdadeira porquê existe um fato na realidade que lhe corresponde.

Se supõe que esta realidade (os fatos) seja extralinguística e extramental, ou seja que a existência (ou inexistência) de um fato não dependa da existência de uma mente que o represente, ou de uma linguagem capaz de expressá-lo. Quais fatos compõem a realidade e quais não, não depende em absoluto de convenções sociais, ou dos sistemas de crenças de uma sociedade ou outra. 

Obviamente, se a verdade em questão fala ao respeito de uma mente ou de uma sociedade, em vez que ao respeito das estrelas, ou do mundo exterior em geral, os fatos correspondentes pressuporão  a existência de mentes e sociedades. Por exemplo a verdade que eu estou com dor de cabeça, pressupõe a existência de pelo menos uma mente, a minha. Esta verdade pressupõe também que eu seja ciente desse fato. E o fato que o aborto seja legal (ou ilegal) em um pais, é um fato que pressupõe a existência de ao menos uma sociedade: a sociedade em questão. E também pressupõe que alguns membros dessa sociedade representem esse fato (sejam cientes dele). Todo isso é perfeitamente
compatível com o realismo metafisico. Estas verdades que falam ao respeito de mentes e sociedades são, mesmo assim, independentes da mente ou da sociedade no sentido que nos interessa. São verdades objetivas, mesmo se pressupõem a existência de sujeitos e sociedades, porque não dependem da existência de sujeitos que não sejam aqueles que compõem os respetivos fatos. Se nos perguntamos se é verdade que estou com dor de cabeça, ou se é verdade que Ramses II morreu de tuberculosis, a resposta (por um realista) é "sim" (ou "não"); e não: "depende da cultura em que se situa a pergunta", ou "depende de quem é o destinatário da pergunta".

Leituras essenciais

Leiam os primeiros dois capítulos do livro de texto: Copi - Introdução á Lógica

Slides

Recesso de Carnaval - As aulas recomeçaram no dia 07 de março

Car@s alun@s, conforme Portaria nº 012/2019, as atividades acadêmicas e administrativas da UFBA estarão suspensas de 27 de fevereiro (quinta-feira), a partir das 13h, até o dia 06 de março (quarta-feira), em virtude do período de Carnaval em Salvador.

Nossas aulas de Logica recomeçaram no dia 07 de março (quinta feira).

Bom Carnaval para tod@s!

Aula 2: A logica e seus inimigos


A ambição dos filósofos foi quase sempre á de adquirir conhecimento. Vimos brevemente sobre que em particular os filósofos desejam adquirir conhecimentos. Pelo menos no começo, mas em grande medida ainda hoje, se trata de conhecimentos sobre as mesmas questões que suscitam espanto em nós quando contemplamos os mitos. A nossa origem, a origem do universo, a morte, o nosso destino, o significado da vida, o lugar dos seres humanos no universo, o bem e o mal, os fenômenos celestes... etc. Nestes assuntos profundos, assim como nos mais pequenos assuntos da vida quotidiana, não nos contentamos de ter opiniões sobre as coisas, porque sabemos que as opiniões, mesmo aquelas sobre as quais temos absoluta certeza, podem se revelar falsas. Como vimos, o conhecimento, sobre qualquer coisa, precisa de mais do que a mera opinião (doxa). E precisa até mais do que a mera verdade desta opinião: o conhecimento é crença verdadeira e justificada.

A logica, num sentido muito geral, é a ciência da justificação: o estudo sistemático do que faz com que certas razões para acreditar em algo sejam boas, e outra más. E’ a difícil arte do raciocinar bem.   
A lógica tem sido frequentemente definida como a ciência das leis do pensamento. Mas esta definição, conquanto ofereça um indício sobre a natureza da lógica, não é exata. Se "pensamento" é qualquer processo mental que se produz na psique das pessoas, nem todo o pensamento constitui um objeto de estudo para o lógico. Todo raciocínio é pensamento, mas nem todo pensamento é raciocínio. Por exemplo, é possível "pensar" em um número entre um e dez, como num jogo de sala, sem elaborar qualquer "raciocínio" sobre o mesmo. Há muitos processos mentais ou tipos de pensamento que são distintos do raciocínio. É possível recordar algo, ou imaginá-lo, ou lamentá-lo, sem raciocinar sobre isso.

Uma outra definição comum da lógica é a que a caracteriza como ciência do raciocínio. Esta definição evita a objeção de acima e, portanto, é melhor, mas ainda não é adequada. O raciocínio é um gênero especial de pensamento no qual se realizam inferências ou se derivam conclusões a partir de premissas.

Mas o lógico não está interessado, em absoluto, nos obscuros caminhos pelos quais a mente chega às suas conclusões durante os processos concretos de raciocínio. Ao lógico só interessa a correção do processo, uma vez completado. Sua interrogação é sempre esta: a conclusão a que se chegou deriva das premissas usadas ou pressupostas? Se as fornecem bases ou boas provas para a conclusão, se a afirmação da verdade das premissas garante a afirmação de que a conclusão também é verdadeira, então o raciocínio é. No caso contrário, é incorreto. A distinção entre o raciocínio correto incorreto é o problema central que incumbe à lógica tratar.

Na ultima aula tocamos, antecipando um pouco nossa exposição da logica, na importante distinção entre validade e solidez (correção) dos argumentos.

Um raciocínio é válido quando suas premissas, se verdadeiras, fornecem provas convincentes para sua conclusão. Isto é, quando as premissas e a conclusão estão de tal modo relacionadas que é absolutamente impossível as premissas serem verdadeiras se a conclusão tampouco for verdadeira. Todo raciocínio (ou argumento) é válido ou inválido.

A tarefa da lógica dedutiva é esclarecer a natureza da relação entre as premissas e a conclusão em argumentos válidos, e assim, nos permitir que discriminemos os argumentos válidos dos inválidos.

 Um argumento pode ser valido mesmo se todas suas premissas são falsa (nesse caso, a conclusão também será falsa. Por exemplo, considerem esse argumento:

Todas as aranhas têm seis pernas.
Todos os seres de seis pernas têm asas.
__________________________________
Portanto, todas as aranhas têm asas.

Este argumento é válido, mesmo se ambas suas premissas são falsas, porque, SE suas premissas fossem verdadeiras, sua conclusão também teria que ser verdadeira.

O termo "sólido" (ou ”correto”) é introduzido para caracterizar um argumento válido cujas premissas são todas verdadeiras.

Evidentemente, a conclusão de um argumento sólido é verdadeira. Um raciocínio dedutivo não consegue estabelecer a verdade da sua conclusão se não for sólido, o que significa ou (1) que não é válido, ou, se for valido, (2) que nem todas suas premissas são verdadeiras.

Naturalmente, a logica será de alguma utilidade apenas se nos permite distinguir o genuíno conhecimento da mera opinião. Como vimos na aula, enquanto colocamos nossas opiniões ao desafio da justificação, nos enfrentamos com aparentemente boas razoes para acreditar numa tese e também no seu contrario. Essa é a circunstancia que os gregos chamavam de aporia. Por exemplo:


Ou o mal não existe, ou Deus no existe.
O mal existe
_________________________________
Deus não existe

Ou a vida não tem sentido, ou Deus existe.
A vida tem sentido.
 ___________________________________
Deus existe



Como vimos, a razao (por meio da logica) não desespera imediatamente, frente a essas aporias. Os dois argumentos aqui encima são ambos formalmente validos. Por tanto SE todas suas premissas fossem verdadeiras, ambas conclusões seriam verdadeiras também. Mas isso é impossível, porque se fosse o caso, deveríamos concluir que Deus existe e não existe, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, o que é absurdo (Principio de Contradição).  Cada uma dessas premissas, por tanto, deverá enfrentar a sua vez o tribunal da razão; ou seja, deveremos nos perguntar quais (boas) razoes, quais argumentos temos para acreditar (ou não acreditar) em cada uma delas. E cada um desses argumentos, a sua vez, deverá ser avaliado enquanto á sua validade e correção. 

Todo isso na esperança de chegar a um ponto estável, onde os argumentos considerados são  validos e corretos, enquanto suas premissas são certamente, ou muito provavelmente verdadeiras.

O relativismo aletico e epistemologico

Como vimos, segundo um dogma de moda em muitos ambientes acadêmicos, e muito ridiculizado em  outros, a ambição que estamos descrevendo é irrealizável. Seria irrealizável por uma ou ambas as seguintes razoes. Porque a verdade, entendida como correspondência a fatos independentes da linguagem, da cultura ou da sociedade não existe (Relativismo aletico). Ou bem porque a ideia de uma justificação racional, que seja independente da linguagem, da cultura ou da sociedade esta errada (Relativismo Epistemológico).


Quando cientistas franceses que trabalhavam sobre a múmia de Ramsés II (morto em 1213 a.C.) concluíram que Ramsés provavelmente tinha morrido de tuberculose, o sociólogo da ciência Bruno Latour, respeitado em alguns ambientes academicos, e considerado um charlatão em outros, negou que isso fosse possível:

"Como ele poderia morrer devido a um bacilo descoberto por Robert Koch em 1882?"

Latour observou que assim como seria um anacronismo dizer que Ramsés morreu de um disparo de
metralhadora, também seria um anacronismo dizer que morreu de tuberculose. Em suas palavras:
"Antes de Koch, o bacilo não tinha existência real" .


Segundo os adeptos da religião do relativismo, a espareça de se servir da razão para resolver problemas filosóficos é naife e vã. Como tentarei explicar durante nossas aulas, paralelamente á nossa jornada na arte da logica, a mia opinião (motivada racionalmente) é que seja essa moda acadêmica a ser naife e danosa.

Como escreveu profeticamente Bertrand Russell no seu Historia da Filosofia Ocidental:



        O conceito de "verdade", como algo dependente de fatos que ultrapassam largamente o controle humano, foi uma das maneiras pela qual a filosofia inculcou, até agora, a necessária dose de humildade. Quando este entrave ao nosso orgulho for afastado, um passo mais terá sido dado no  caminho que leva a uma espécie de loucura —a intoxicação de poder que invadiu a filosofia […], à qual os homens modernos, filósofos ou não, estão propensos. Estou persuadido de que essa intoxicação é o maior perigo do nosso tempo, que toda filosofia que, mesmo sem intenção, contribua para isso estar aumentando o perigo de um vasto desastre social.

         Bertrand Russell, History of Western Philosophy (1961: 782)


Leituras essenciais

Leam o primeiro capitulo (Introdução) do livro de texto Copi - Introdução á Lógica

No final de cada parrafo, acharam uns exercícios, bem parecidos com aqueles que vão comparecer no exame final. Começem a se familiarizar com eles.

Leituras opcionais

Os interessados ao assunto do relativismo e da moda da escuridão conceitual podem ler as introduçoes dos livros: Bogossian - Medo do Conhecimento e Sokal - Imposturas Intelectuais

Slides:

Aula 2: A logica e seus inimigos

Aula 1: O espanto e a origem da filosofia



Car@ alun@ de logica, esta é uma breve descrição da aula passada. No final da pagina vc pode baixar uma versão pdf das slides. Bom trabalho!

A origem da filosofia - Espanto e libertação


De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa do espanto, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a enfrentar problemas sempre maiores, por exemplo, os problemas relativos aos fenômenos da lua e do sol e dos astros, ou os problemas relativos à geração de todo o universo.[Aristóteles, Metafisica, 932b]


Segundo Aristóteles a filosofia tem sua origem e sua raiz no espanto (thauma) que provém de uma dificuldade inicial - aporia - que é provocada pelo fato de existirem argumentos em conflitos. Este estado inicial de ignorância, comparado por Aristóteles a um homem acorrentado (Metafísica, 995a), dá lugar a um sentido posterior à aporia que se torna agora diaporia, exploração de vários caminhos,
exploração que se mostra como um processo dialético. A estas aporias é buscada e apresentada uma solução - euporia ou lysis - que literalmente significa "libertação" - mantendo a metáfora do acorrentar. Segundo Aristóteles, o apresentar e o elaborar de uma questão, conduzindo à solução, cerne do método filosófico, é uma tarefa difícil e árdua (Metafísica, 995a).




Questionar é investigar, abrir espaços seguindo vestígios. A filosofia nasce de uma necessidade radical de conhecimento. É uma atividade teórica. Filosofar é teorizar. Como entender esse teorizar?

Theoria - para os gregos - tem por raiz um termo que designa a visão. A partir do momento em que tentamos ver em nós mesmos o que experienciamos, surgem em nós representações que são acessíveis à linguagem. Na verdade, uma experiência como vivido puro que renuncie a qualquer esforço de expressão não passa de um mito, aliás alimentado por muitos quando se afirmam incapazes de exprimir sua experiência em uma linguagem e reiteram o seu caráter inefável.



A "teoria" não é qualquer visão. Ao tentar descobrir a realidade o homem a enfrenta como uma aporia. E esta provoca o espanto. "Espantar-se - diz Sócrates no Teeteto - a filosofia não tem outra origem" (l55d). O thaumadzein, o espantar-se, testemunha a mudança, a transformação que se opera em relação ao mito. Neste o thauma é o objeto do espanto, da admiração; o efeito por ele produzido é o sinal, nele, da presença do sobrenatural. Quando para os seus antecessores a estranheza de um fenômeno impunha o sentimento do divino, para os Filósofos a estranheza se propunha aos espíritos como aporía, como uma questão. O insólito e o estranho não fascinam mais a inteligência mas a mobilizam. Há como uma transformação: o espanto, como veneração se transforma em questionamento. Ao ser reintegrado, na ordem da natureza, o thauma, ou aquilo que resta de "maravilhoso", é, ao término da investigação, a engenhosidade da solução encontrada e proposta.



Estranhamento não é simples assombro, surpresa. Estranhar-se perante algo, perante as coisas é estranhar-se delas, fazer-se estranho a elas. Na atitude natural há um contato ingênuo com as coisas; não há verdadeiros problemas, não há aporia, tudo parece familiar, evidente, inquestionável. Na estranheza ocorre a ruptura, e o trato habitual com as coisas é rompido. Ao nos surpreendermos, percebemos logo que as coisas são estranhas a nós e nós a elas. Estranhos no sentido de diferentes, outros; separamo-nos delas. Na estranheza desvelamos o que a familiaridade encobria. Deste contraste entre o familiar e o estranho surge a questão. Na passagem da atitude natural cotidiana, onde nada é problemático, à atitude teórica ocorre, e mais, é necessária uma torção, uma conversão que desliga o indivíduo do comércio ingênuo com as coisas. Da atitude natural à atitude teórica filosófica ocorre a conversão. Esta conversão é a separação em relação ao que precede e adesão ou enfrentamento do que vem.


Isso não basta. É necessário que o homem se estranhe também, vale dizer, volte-se para si próprio e coloque para si as questões que descobre em seu estranhamento. A reflexão é, pois, outra etapa da teorização. Questionar é tarefa do pensamento.*


A logica

Somos livres? Quem somos nós, realmente? Nós vamos sobreviver a nossa morte? Somos a mesma pessoa de quando éramos crianças? Se perdêssemos nossa memória, ainda seríamos a mesma  pessoa? Estamos nos aproximando ao dia da nossa morte? Por que o tempo passa? Realmente passa, ou é uma ilusão? O que é realidade? Depende das nossas mentes? O que é uma mente? Poderia haver mentes sem corpos? Existe Deus? O que é justo? Qual é a diferença entre mera opinião e o conhecimento?


Uma vez que nos damos conta que as coisas podem ser bem diferentes de como parecem, e de como opinamos, e que existem opiniões discordantes entre si, começamos a buscar razoes para acreditar (ou não acreditar) cada uma das nossas opiniões: procuramos justificações para nossas afirmações. Não nos contentaremos, por exemplo, com a afirmação que somos livres (ou que não somos livres), ou com a afirmação que Deus existe (ou que não existe). Nos filósofos precisamos oferecer razoes para nossas afirmações. E se nos não concordamos com uma afirmação, não será suficiente dizer que é falsa. Teremos que demostrar que as razoes oferecidas para ela não são boas razoes.  

Em primeira aproximação, a logica, objeto deste curso, é o estudo dos métodos e princípios usados por distinguir quais são as boas razoes, e quais não, para acreditar em algo. Métodos e princípios que nos permitem distinguir o genuíno conhecimento da mera opinião.
 

A logica é portanto o fundamento de qualquer conhecimento racional.

Slides da aula:

 Aula1: A origem da fiosofia - Espanto e libertação


*Esta exposição dos conceitos aristotélico de espanto e de libertação é extraída em grande medida do texto Filosofia e Educação, Atitude Filosófica e a Questão Da Apropriação Do Filosofar, do Prof. Newton Aquiles von Zuben.