Na ultima aula tratamos principalmente de dois questões.
O reconhecimentos de argumentos, de suas premissas e de suas conclusões
A primeira, mais superficial, mas importante, fala ao respeito do reconhecimento de argumentos na vida real (nos textos escritos assim como nos discursos verbais). Qualquer texto ou discurso contem muito mais do que puros argumentos. Usamos a linguagem para fazer muitas coisas além de argumentar, ou seja, além de fornecer boas razoes para acreditar em algo. Nos textos e discursos reais, encontramos perguntas, exortações, metáforas, tentativas de seduzir o interlocutor impressionando-o ou suscitando medo nele, informações uteis para entender o contexto... etc. Mesmo os textos mais rigorosos e intelectualmente honestos não apresentam os argumentos de forma esquematizada e imediatamente reconhecível. Eis, por exemplo, como Aristóteles argumenta em
favor da ideia que a terra seja esférica:

"A prova dos sentidos ainda mais confirma isto. Se assim não fosse,como poderiam os eclipses da lua mostrar segmentos da forma que os vemos? De fato, os formatos que a própria lua mostra cada mês são de todos os tipos - regulares e cheios, convexos e côncavos - mas, nos eclipses, o contorno é sempre curvo, e, como é a interposição da terra que faz o eclipse, a forma dessa linha será causada pela forma da superfície da terra que,
portanto, é esférica."
[Aristoteles, Dos Céus]
Como vimos, existem indícios linguísticos de que estamos na presença de um argumento: palavras ou frases que indicam que a parte do discurso que as precede ou segue expressa umas premissas, ou uma conclusão de um argumento. Entre os "indicadores de conclusão", por exemplo, encontramos "portanto", "daí", "logo", "assim", "conseqüentemente", "segue-se que", "podemos inferir" e "podemos concluir". Entre os "indicadores de premissas", em vez, temos: "porque", "desde que", "pois que", "como", "dado que", "tanto mais que" e "pela razão de que".

No texto de Aristóteles aqui encima, por exemplo, a palavra "portanto" no final indica que a conclusão do argumento é que a terra é esferica. O que precede, se supõe, contem as premissas. Como podem ver relendo o texto, as premissas não são imediatamente discerníveis. Uma delas, por exemplo, esta expressa com uma pergunta retorica, ou seja uma frase declarativa implícita disfarçada de pergunta: "Se assim não fosse [se a terra não fosse esferica] como poderiam os eclipses da lua mostrar segmentos da forma que os vemos?" Com essa pergunta retorica, Aristóteles quer
afirmar (não
perguntar), que se a terra não fosse esférica a sua sombra na lua durante as eclipses não apareceria curva.
Adquirir a capacidade de reconhecer argumentos, suas premissas e suas conclusões em discursos reais é um dos objetivos desse curso.
Linguagem, Pensamento e Realidade
A outra questão que tratamos fala ao respeito da natureza das premissas e das conclusões. Observamos que qualquer premissa e qualquer conclusão esta expressa por uma frase declarativa. Apenas essas frases, de fato, são passiveis de ser verdadeiras ou falsas. As perguntas, ou as ordens, por exemplo, não são nem verdadeiras nem falsas. Ainda menos podem ser verdadeiras ou falsas as frases não gramaticais, ou incompletas.
As frases declarativas, contudo, não podem se identificar com as premissas e as conclusões. Frases diferentes, expressas na mesma língua ou em línguas diferentes,. podem ter o mesmo significado. Por exemplo, Aristóteles obviamente escreveu o argumento acima citado em grego antigo. Mas quem negaria que se trata do mesmo argumento? (pergunta retorica). Se trata do mesmo argumento porque as premissas e a conclusão, e portanto as relações logicas entre elas também, são as mesmas independentemente da linguá que escolhemos para expressa-as.

Concluímos que as premissas e as conclusões se identificam com os
significados das frases declarativas que as expressam, e não com as frases mesmas. O termo técnico com o qual os filosofos e os logicos se referem a estes significados é:
proposições. As proposições (ou seja o significado das frases declarativas) representam o mundo como feito de certa maneira. Por exemplo, a frase declarativa "a terra é esferica" significa uma certa proposição. Esta proposição representa a terra como esférica. As proposiçoes (e indiretamente as frases e os pensamentos que as expressam) podem portanto ser verdadeiras ou falsas, segundo que o mundo seja de fato da maneira representada por elas ou não. Uma proposição é verdadeira quando o mundo "corresponde" com ela, ou seja quando ele é (objetivamente) como ela o representa.
No final da aula apresentei, numa versão simplificada, uma possível explicação de como poderia funcionar a relação entre linguagem, pensamento e realidade: o realismo metafisico. Segundo esta doutrina, associada tipicamente por Aristóteles, e ainda hoje sustentada pela maioria dos metafísicos

analíticos e dos filósofos da ciência, o mundo (a realidade) esta articulado em fatos. Os fatos são aquelas partes da realidade que fazem com que as proposições verdadeiras sejam verdadeiras. A proposição expressa por "a terra é esférica", por exemplo, é verdadeira porquê existe um fato na realidade que lhe corresponde.
Se supõe que esta realidade (os fatos) seja extralinguística e extramental, ou seja que a existência (ou inexistência) de um fato não dependa da existência de uma mente que o represente, ou de uma linguagem capaz de expressá-lo. Quais fatos compõem a realidade e quais não, não depende em absoluto de convenções sociais, ou dos sistemas de crenças de uma sociedade ou outra.

Obviamente, se a verdade em questão fala ao respeito de uma mente ou de uma sociedade, em vez que ao respeito das estrelas, ou do mundo exterior em geral, os fatos correspondentes pressuporão a existência de mentes e sociedades. Por exemplo a verdade que eu estou com dor de cabeça, pressupõe a existência de pelo menos uma mente, a minha. Esta verdade pressupõe também que eu seja ciente desse fato. E o fato que o aborto seja legal (ou ilegal) em um pais, é um fato que pressupõe a existência de ao menos uma sociedade: a sociedade em questão. E também pressupõe que alguns membros dessa sociedade representem esse fato (sejam cientes dele). Todo isso é perfeitamente
compatível com o realismo metafisico. Estas verdades que falam ao respeito de mentes e sociedades são, mesmo assim, independentes da mente ou da sociedade no sentido que nos interessa. São verdades objetivas, mesmo se pressupõem a existência de sujeitos e sociedades, porque não dependem da existência de sujeitos que não sejam aqueles que compõem os respetivos fatos. Se nos perguntamos se é verdade que estou com dor de cabeça, ou se é verdade que Ramses II morreu de tuberculosis, a resposta (por um realista) é "sim" (ou "não"); e não: "depende da cultura em que se situa a pergunta", ou "depende de quem é o destinatário da pergunta".
Leituras essenciais
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