Aulas 24-25: O problema do metodo I (Indutivismo).

Nas ultimas duas aulas discutimos o problema do método cientifico e o problema da demarcação entre ciência e pseudociência. Simplificando a historia da ciência, podemos considerar que ciência moderna tenha nascido o 5 de Julho do 1687, quando o físico inglês Isaac Newton publicou a obra: Principios Matematicos da Filosofia Natural.

O debate sobre o método cientifico se interlaça com o desenvolvimento da ciência desde o começo. Como vimos, a primeira ideia sobre o método da ciência, influenciada por o trabalho de filósofos como Francis Bacon e mas tarde John Stewart Mill, era bastante naive. Basicamente, segundo essa versão "pão com ovo" do método, os cientista coletam e classificam dados empíricos de forma totalmente neutral com respeito as hipóteses (sem preconceitos). Secundariamente, "deduzem" hipóteses a partir desses dados, e finalmente as testam empiricamente.

Os positivistas lógicos, como vimos, tinham uma concepção menos ingenua sobre o método. Hoje na aula ilustrei as ideias de Carl Gustav Hempel (leiam o texto linckado aqui embaixo), o máximo exponente desta concepção indutivista. Para ilustrar a sua concepção, Hempel usou o exemplo famoso da descoberta por tentativas e erros das causas da assim chamada "febre puerperal", que matou inúmeras parturientes no hospital geral de Viena entre 1844 e 1848 (e no mundo inteiro).

Segundo o quadro que emergiu da analysis de Hempel, os cientistas não começam por coletar dados de forma indiscriminada, e sim por uma pergunta. No caso em questão, a pergunta é: qual é a causa do numero desproporcionado de mortes no reparto do hospital de Viena? A fase de formulação das hipótese não seria parte do método estritamente dito. Podemos usar qualquer método para chegar a formular uma hipótese. O que contradistingue o método cientifico, segundo essa concepção, são os testes aos quais subpomos as nossas hipóteses. Basicamente, derivamos consequências observáveis da nossa hipótese, e fazemos experimentos para confirmá-la ou refutá-la (provar que é falsa).

Por exemplo, suponhamos que a nossa hipótese sobre a causa da morte das parturientes seja, como foi suspeitado, o estres psicológico devido á campainha do padre que se acercava para providenciar a extrema unção. O cientista raciocinaria assim. SE a hipótese for verdadeira, então eliminar a campainha diminuiria as mortes. O cientista então procede a verificar se eliminando a campainha as mortes diminuem. Se elas não diminuem, a hipótese fica refutada (provada falsa), e devemos buscar outra. O principio logico deste raciocínio é o modus tollens. Indicando a nossa hipótese com a letra H, e a consequência observável com a letra I ("I" como "implicação"), a forma logica desse raciocínio (modus tollens) é:

Devemos então distinguir o contexto da descoberta (livre, creativo, e possivelmente as vezes até irracional), do contexto da justificação, que sigue a logica indicada emcima.

Leituras essenciais:

Hempel - Investigação científica

Aula 23-24: Provas por absurdo (indireta)

Na postagem passada ilustrei o método da Prova Condicional (PC). Aqui vamos introduzir a prova por absurdo (ou Prova Indireta), que discutimos nas ultimas dois aulas. A ideia por atras dessa técnica, também conhecida como "reductio ad absurdum", é relativamente simples. Antes de apresentar a técnica, deixe-me ilustrar a intuição que a fundamenta.

A primeira coisa que deve ser considerada, é que as contradições são necessariamente falsas. Não é possível que você seja ao mesmo tempo e no mesmo sentido casada ou solteira, alto 170 cm e alto menos de 170 centímetros... etc. Podemos formalizar este principio dizendo que as proposições das seguente forma


... são sempre falsas. Neste caso, "sempre falsas" quer dizer "falsas por dodos os possíveis valores de verdade que a proposição p pode assumir (verdadeira ou falsa)".

A segunda coisa que debem notar, é que se uma proposição implica uma contradição, ela deve ser falsa. Todos nos aplicamos esse principio,  o "principio de não contradição", na nossa vida diária. Se, pro exemplo, alguém faz um conto contraditório, ou seja um conto do qual você pode derivar uma contradição, você vai concluir que ele ou ela esta mentindo. Se um imputado faz um conto contraditório dos fatos acontecidos numa aula de tribunal, por exemplo, a juiz vai suspeitar da inocência do imputado, porque vai deduzir que está mentindo, e isso é suspeito.

A ultima coisa que você deve considerar para intender as provas indiretas, é o fato (obvio) que se uma proposição é falsa, a sua negação deve ser verdadeira. Se é falso que a terra seja plana, por exemplo, então deve ser verdade que a terra NÃO é plana:


Juntando essas considerações, podemos concluir que SE uma proposição implica, uma contradição, ela deve ser falsa:


(demostrem a validade dessa inferência com o método das tabelas de verdade como exercício)


Agora, você lembrará que o método da prova condicional que ilustrei no ultimo post de logica permite derivar implicações a partir da assunções. Quando você "assume" uma proposição, você esta fingindo que ela seja verdadeira, para saber quais consequências ela tem. Se, assumindo a proposição p, usando as premissas do argumento, e as 7 regras de inferência + a regra de substituição, você pode deduzir uma proposição q, você pode deixar a "bolha de ficção" e voltar pela "realidade", adicionando a nova premissa que p implica q. Isso é parqué dizer que "p implica q" significa dizer que "SE p é verdadeira, então q também é verdadeira". Portanto, se assumindo p (fingindo que seja verdadeira) você conseguiu deduzir q, você sabe que, mesmo fora da ficção, p implica q.

O método da prova indireta (prova por absurdo)


Agora podemos ilustrar o método. Para provar a validade de um argumento, você começa assumindo (fingindo) que a conclusão seja falsa, ou seja assumindo a negação dela. Se você consegue derivar uma contradição a partir dessa assunção, você pode concluir que a conclusão deve ser verdadeira. Se assumindo a negação da conclusão você deriva uma contradição, você sabe que a negação da conclusão deve ser falsa. E se é falso que a conclusão é falsa, ela deve ser verdadeira. Como exemplo, vamos demostrar que uma instancia do modus ponens é um argumento valido (obviamente sem usar o mesmo modus ponens):




Para usar a tecnica da prova por absurdo, voce deve abrir uma "bolha de ficção", e assumir a negação da conclusão:

Na direita da linha 3, indiquei a justificação, que nesse caso é: "Assunção por prova indireita" (API). Lebre-se que issa é uma ficção, voce está meramente assumindo que ~B. Dentro dessa bolha, voce pode fingir que ~B seja verdadeiro, e derivar tudo o que está consentido pelas regras de inferencias (dadas as outras premissas (1 e 2). 

Dado que voce está tentando derivar uma contradição, uma estrategia consiste em aplicar o modus tollens á premissas 1 e 3:


Agora voce pode derivar uma contradição, usando a premissa 2 (A) e a ultima linha que voce derivou (~A):


Dado que voce conseguiu derivar uma contradição (A e ~A) a partir da assunção que ~B, voce pode sair da bolha e voltar pela realidade, e deduzir que ~B deve ser falsa, ou seja que ~(~B):



Note que não foi possível derivar direitamente B (mesmo se isso seria bastante obvio), porque a negação de ~B é ~(~B), e não B. Mas agora a ultima jogada é fácil, lembrando que as duas negações se anulam reciprocamente. Dado que  ~(~B) é logicamente equivalente a B,  e dado que a regra de substituição permite que você substituía qualquer formula por outra que seja logicamente equivalente, o exercício está resolvido com uma ultima jogada: 



 






Aula 23: Provas condicionais



Provas condicionais


Na ultima aula introduzimos as provas condicionais. Assim é como isso funciona, ilustrado com um exercício. 

  • Exercício de prova condicional


Produza uma prova formal por este argumento: 

Se João e Matheus estão culpados, então Kelly esta culpada. Matheus está culpado. Portanto, se João está culpado então Kelly está culpada. 


Formalização do argumento

A primeira coisa é individuar as premissas e a conclusão. Neste caso tem duas premissas: 

1. Se João e Matheus estão culpados, então Kelly esta culpada.
2. Matheus está culpado.

A conclusão, introduzida pelo indicador de conclusão "PORTANTO", é:

C.  Se João está culpado então Kelly está culpada. 

Agora que você individuou as premissas e a conclusão, você deve "formalizar" o argumento. Por isso, você deve formalizar cada premissa e a conclusão. O primeiro passo da formalização consiste em individuar as proposições atômicas dela, ou seja, as partes da frase que não contem conectivos lógicos (OU ---- OU, E, SE -----, ENTÃO ----, NÃO). 


Começamos por la primeira premissa. A forma dessa premissa é condicional: SE -----, ENTÃO -----. 


1. Se João e Matheus estão culpados, então Kelly esta culpada.

O antecedente (em azul) esta incluído entre a palavra "SE" e a palavra "ENTÃO". O conseguente (em vermelho), é a parte da frase que segue a palavra "ENTÃO". Notem que o antecedente (azul) não é uma proposição atômica, pois contem o conectivo "E" (uma conjunção): 

A frase "João e Matheus estão culpados" é a conjunção de dois proposições atômicas: "João está culpado" e  "Matheus está culpado". A estrutura da primeira premissa, portanto, é:

1.  SE (João está culpado E  Matheus está culpado), ENTÃO Kelly esta culpada.

Indiquei cada proposição atômica com uma cor diferente, e os contectivos logicos estão sublinhados. Isso é só para você entender como deveria proceder na formalização da premissa. (obviamente na prova voce não precisa usar cores diferentes). 

Agora que você explicitou a estrutura atômica da premissa, você pode escolher uma letra maiuscula (A, B.... Z) por cada proposição atômica. Por exemplo:

  • João está culpado = J
  • Matheus está culpado = M
  • Kelly esta culpada = K


Usando as convenções que já vimos muitas vezes, a primeira premissa pode ser formalizada na seguente maneira:

A segunda premissa, "Matheus está culpado", é uma proposição atômica. Dado que já encontramos essa proposição na formalização da primeira premissa, não precisamos de uma nova letra para indica-la: Matheus está culpado = M. A estrutura das duas premissas é:

1.  SE (João está culpado E  Matheus está culpado), ENTÃO Kelly esta culpada.
2. Matheus está culpado

Estas duas premissas, portanto, podem ser formalizadas assim:

Para finalizar a formalização do argumento, só falta formalizar a conclusão: 


C.   SE João está culpado ENTÃO Kelly esta culpada 


Notem que, outra vez, as proposições atômicas que compõem a conclusão já foram encontradas nas premissas, e já escolhemos letras para indica-las. Estas são A formalização da conclusão, portanto, é a seguente: 

Agora voce tem todos os elementos para formalizar o argumento. Resumindo, o argumento é:


1.  SE (João está culpado E  Matheus está culpado), ENTÃO Kelly esta culpada.
2. Matheus está culpado
C.   SE João está culpado ENTÃO Kelly está culpada.


A formalização do argumento é:

Prova condicional

O objetivo do exercício é produzir uma prova formal deste argumento. Vomos fazer isso usando a técnica da prova condicional. Numa prova condicional, você pode assumir qualquer coisa. Feita uma assunção, você pode derivar todas as consequências dessa assunção, usando as regras de inferências e as premissas que você já tem. 

No nosso caso, devemos provar que SE João está culpado ENTÃO Kelly está culpada. Para fazer isso, assumimos que João está culpado. Dado que a segunda premissa é Matheus está culpado, a partir dessa premissa, você pode deduzir que: João está culpado E Matheus está culpado. Isso é exatamente o antecedente da primeira premissa. Aplicando o modus ponens, você pode deduzir que  Kelly está culpada. Resumindo, assumindo a verdade de João está culpado, deduzimos a verdade de Kelly está culpada. Isso prova que SE João está culpado ENTÃO Kelly está culpada, que é a conclusão do argumento. 

Formalmente, procedemos assim: 

Na linha 3 indicamos a assunção de J. Na direita dessa assunção, embaixo da conclusão, você deve indicar a justificação, que em esse caso é uma Assunção por Prova Condicional (APC). Agora, você pode derivar todas as consequências que pode derivar usando as premissas e as regras de inferência. Dado que você tem J (assunção 3) e M (premissa 2), você pode deduzir a conjunção delas:


Dado que a proposição 4 é o antecedente do condicional 1, você pode usar o modus ponens para derivar K:

Preste atenção aos passos 3-5. Voce começou assumindo J (em 3) e chegou a demostrar K (em 5). Isso quer dizer que SE J for verdadeiro, dadas as premissas, também K seria verdadeiro. Ou seja, voce demonstrou que J implica K. O exercício, portanto, pode ser resolto assim:


Isso conclui o exercicio. Notem que na ultima linha (6) indiquei as premissas que foram usadas (3 e 5) e a regra da Prova Condicional (PC). 


Aulas 20-22: A filosofia da ciencia (Teoria)


Na ultima aulas acenamos ao ultimo argumento dá parte teórica do curso: a filosofia da ciência. A pergunta geral desta parte do curso é: o que é a ciência? Como vimos, a pesar do seu extraordinário sucesso entender exatamente o que a ciência e por que funciona se revelou ser um problema extremamente difícil. Há três problemas interconexos que surgem quando pensamos á ciência. O problema da demarcação, o problema do método e o problema do progresso cientifico. No resto do curso vamos discutir destes problemas e de como estão interlaçados. 


O problema da demarcação 


As atividades humanas podem ser divididas em três tipos: não cientificas, cientificas e pseudocientíficas. A maioria das nossas atividades não são classificáveis como "cientificas". Por exemplo, coçar a própria nariz nem conta como uma atividade epistêmica: não tem como objetivo o descobrimento de alguma verdade. A ciência, ao contrario, é uma atividade eminentemente epistêmica. Ao fazer ciência, nos procuramos fazer principalmente três coisas: entender o mundo natural, fazer previsões e manipular a natureza para os nossos fins. Todas estas tarefas são ao menos em parte epistêmicas, no sentido que envolvem a busca de verdades gerais sobre o mundo natural. As pseudociências são aquelas atividades que "macaqueiam" a ciência, ao utilizar uma linguagem "tecnica", conceitos derivados superficialmente das ciências naturais, e os costumes sociais da comunidade cientifica. Um exemplo de pseudociência é a homeopatia. Outro é a astrologia. Estas atividades tipicamente tem ambições epistêmicas: se apresentam como formas de conhecimento.

O que distingue a ciência da pseudociência? O que faz com que a ciência produza conhecimento e as pseudociências não? É certo mesmo que a ciência produza conhecimento e as pseudociências não? Este é o problema da demarcação entre a ciência e a pseudociência. Leiam o breve artigo de Ladyman sobre este argumento:

Ladyman - Para uma demarcação entre ciência e pseudociência

O problema do método


Como funciona a ciência? Qual é o método que os cientistas usam para elaborar suas teorias, fazer conjeturas e hipóteses? Este é o problema do método. Vamos discutir as principais teorias que foram propostas para caraterizar o método da ciência. Estas são:

1. O indutivísmo naive.
2. O método hipotético-dedutivo.
3. O falsificacionismo de Popper e Lakatos.
4. A teoria dos paradigmas cientificos de Kuhn.
5. O realismo cientifico.

Notem que, respondendo á pergunta sobre o método da ciência, responderíamos também á pergunta sobre a demarcação. O critério de demarcação entre a ciência e a pseudociência seria a aplicação cuidadosa do método cientifico. Uma das dificultadas maiores que os filósofos encontraram ao enfrentar o problema do método, é o problema da indução.

Como já vimos, a influente critica de Hume trouce á atenção dos filósofos quão difícil é justificar racionalmente a indução. Leiam este ensaio de Law sobre este argumento.

Law - Indução e filosofia da ciência



Leituras essenciais:

Ladyman - Para uma demarcação entre ciência e pseudociência

Law - Indução e filosofia da ciência

Aulas 21-22: Regras de inferência e regra de substituição

Como vimos, tem 7 regras de inferência básicas que podem ser usadas na construção de uma prova formal de validade. Elas são:


Regras de inferência


Recomendo que memorizem todas elas. Isso vai facilitar enormemente sua capacidade de resolver exercícios. Se perguntem, por cada uma delas, qual é o padrão de argumento que esta sendo representado. Inventem um exemplo de argumento (em português) por cada uma delas. Demostrem a validade de cada uma dessa formas usando a técnica das tabelas de verdade. Alem de facilitar sua vida na prova escrita, estudar estas formas vai fortalecer suas capacidades de pensar criticamente e argumentar na sua futura vida de filósofos

Equivalências logicas. 


Quando duas proposições tem os mesmos valores de verdade (Verdadeiro ou Falso) em todas as circunstancias,  ou seja, para todas as possíveis assinações de valores de verdade para suas componentes atômicas, dizemos que elas são logicamente equivalentes. 

Um exemplo de equivalência logica é o seguinte:




Essa equivalência é conhecida como "Implicação material". Podem verificar que as duas proposições na esquerda e na direita tem os mesmos valores de verdade em todas as circunstancias usando o método das tabelas de verdade. Esta é a prova:


Quando duas proposições são logicamente equivalentes, sempre pode substituir uma por outra numa prova, adicionando uma linha da prova que explica qual equivalência foi usada. 

Podem usar qualquer uma das seguentes 5 equivalências na resolução dos exercícios: 


Equivalências logicas



Exemplo de exercício


Considerem o seguente exercicio:


Este exercício é quase idêntico a o que resolvemos na postagem anterior. A unica diferencia é a ordem dos disjuntos na segunda premissa (C v A em vez que A v C). Sendo assim, vocês não vão poder adicionar direitamente a proposição C v A, usando a regra de adição: 


O procedimento correto requere que seja adicionada uma outra linha, onde se aplica a regra de substituição: 


Agora, você pode aplicar o podus ponens á premissa 2, como foi feito no outro exercício: 

Isso conclui o exercício. 

Aulas 18-20: Mais dedução natural

Nas últimas aulas continuamos a introdução á técnica da dedução natural.

Os conceitos fundamentais da logica que estamos tratando, a logica proposicional, foram desenvolvidos pelo filosofo grego Crisipo de Solos  (Solos, c. 280 a.C. — Atenas, ca. 208 a.C.), um dos maiores exponentes do estocicismo. A ideia que fundamenta a técnica que estamos tratando deriva da intuição que o raciocínio valido tem uma alma "mecânica", ou "formal". A ideia de uma linguagem formal que capture a essência formal do raciocínio foi expressada claramente por primeira vez por el filosofo e matemático Gottfried Wilhelm Leibniz. A sua ideia de um "calculus ratiocinatur", de um calculo do raciocínio, é o precursor do metodo que estamos tratando, e de toda a logica moderna.

A forma dos argumentos... outra vez. 

Nas primeiras aulas desse curso vimos como diferentes raciocínios (argumentos) validos parecem ter algo em comum, uma mesma forma. Os dois argumentos aqui embaixo, por exemplo, parecem ter algo em comum, a pesar de chegar a conclusões opostas:


Ou o mal não existe, ou Deus no existe.
O mal existe
_________________________________
Deus não existe

Ou a vida não tem sentido, ou Deus existe.
A vida tem sentido.
 ___________________________________
Deus existe



O que é que eles tem em comum? 

Por começar, a primeira premissa de ambos argumentos é uma "disjunção": "Ou ----, ou ----". Para expressar a forma geral dessas premissas, abstraindo dos particulares conteúdos expressados, usamos as letras latinas minusculas (p, q...):  p V q

Substituindo p com "o mal não existe", e q com "Deus existe", por exemplo, obtemos a primeira premissa do argumento na esquerda.

A segunda coisa que os dois argumentos tem em comum, é que as segundas premissas de ambos argumentos são a negação, respeitativamente, dos primeiros disjuntos das primeiras: 

O primeiro disjunto da primeira premissa do primeiro argumento, por exemplo, é o mal não existe. A segunda premissa é: O mal existe. A primeira frase diz o contrario da segunda: a segunda é a negação da primeira. O mesmo vale por el segundo argumento: a frase a vida não tem sentido (o primeiro disjunto do segundo argumento, é negada pela segunda premissa, ou seja A vida tem sentido. Dado que indicamos os primeiros disjuntos com a letra p, e que conveniemos de indicar a negação com o simbolo ~, podemos expressar a foma das segundas premissas com a formula: ~p.

A terceira similaridade entre os dois argumentos é que ambas conclusões são idênticas aos dois segundos disjuntos das primeiras premissas. Deus não existe, a conclusão do primeiro argumentos, por exemplo, é também o segundo disjunto da primeira premissa: q

A forma desse argumento, portanto, pode ser expressada por:


p V q
~p
__________
q


Esta forma de argumento é a que chamamos "Silogismo disjuntivo". A sua validade pode ser demostrada com o método das tabelas de verdade que tratamos nas aulas passadas. 

As regras de inferência básicas 



A ideia da técnica de demostração que estamos tratando é a seguente. Qualquer argumento valido, não importa quanto complexo, pode ser "decomposto" em uma serie de passos elementares. Em certo sentido, isso é parecido á técnica de calculo de multiplicações que aprendemos na escola quando somos crianças. Para calcular uma multiplicação complexa, procedemos por passos simples, cada um dos quais consiste em multiplicar ou somar dois números entre 0 e 9, ou escrever dígitos encima dos números...etc. Cada passo é totalmente elementar. Assim, se tomar cuidado de não cometer erros triviais, podemos chegar ao resultado final com certeza que seja correto. 

Analogamente, por cada argumento formalmente valido, por quanto complexo, sempre existe uma cadeia de raciocínios elementares - como o silogismo disjuntivo formalizado aqui encima - que nos leva até a conclusão. Cada passo consiste na aplicação de uma (e apenas uma) regra de inferência elementar, escolhida entre as 7 que já vimos varias vezes na aula. Estas são:





                                                                          
Cada uma dessas regras representa a forma de um raciocínio elementar. Todos nos usamos cada um desses raciocínios básicos em cada momento. Recomendo que vocês memorizem estas 7 regras de inferência, se perguntando por cada uma qual exemplo concreto de raciocínio poderia ser uma instancia dessas regras. 

Sendo raciocínios validos, todas as formas elencadas aqui encima podem ser verificadas com o método das tabelas de verdade. Façam todas essas provas como exercício (é possível que alguns exercícios na prova consistam em provar a validade de alguns desses raciocínios usando as tabelas de verdade). 

Exemplo de exercício


Um exemplo de exercício que utiliza a técnica da dedução natural é o seguinte:



As formulas numeradas (1 e 2) são as premissas formalizadas de um argumento. Na direita da segunda premissa, separada por o simbolo "/", tem a conclusão do argumento. O argumento é valido. O exercício consiste em achar uma cadeia de raciocínios elementares que nos levem das premissas á conclusão. A cada passo, você pode utilizar apenas uma regra das 7 elencadas aqui encima. Não tem apenas um jeito de resolver este tipo de exercício. Sempre tem varias cadeias de raciocínios elementares que levam das premissas á conclusão. Você deve descobrir uma qualquer delas. 

A melhor estrategia para resolver esses exercícios é a seguente. 

Começa se concentrando na conclusão. No ultimo lance do jogo, você deverá chegar a obter a conclusão com uma aplicação de uma regra de inferência. Quais regras acabam com uma conclusão dessa forma (nesse caso: uma conjunção)? Apenas tem uma: conjunção. Para aplicar a regra, você precisa dos dois conjuntos: A e D. Olhando para as premissas, você deve notar que não tem nem A nem D. Porem, se você achasse um jeito de derivar A e D, você teria resolvido o exercício. Como podem se derivar? Por começar, note que A é o primeiro conjunto da primeira premissa, e poderia se derivar por simplificação.

E D? Como poderíamos derivar D? Olhando para as premissas, você notará que D é o consequente de uma proposição hipotética (uma implicação). Portanto, você poderia derivar D se pudesse derivar seu antecedente (A V C). Você não tem (A V C). ... Continue raciocinando deste jeito, se perguntando de qual proposição você precisaria para derivar a conclusão, e de qual proposição você precisa para derivar essa proposição. 

Se você não chega a ter uma estrategia completa, deixe as suas ruminações para o futuro, deixe de pensar na conclusão, e se concentre nas premissas. Em vez de se perguntar do que você precisaria para chegar á conclusão, agora se pergunte: o que é que posso fazer? Qualquer aplicação das regras de inferência é um lance legitimo do jogo, mesmo se não ajuda a resolver o problema. Portanto, se você não sabe o que fazer, faça qualquer coisa permitida. Tomara que com novas premissas, quando você voltar a considerar a conclusão em busca de estrategias, você poderia ter novas intuições. 

Por exemplo, a primeira premissa é uma conjunção: A e B. Daí, com uma aplicação de Simplificação, você pode derivar o primeiro conjunto: A. Isso não resolve tudo, mas é algo. Você pode portanto adicionar duas linhas á sua derivação, especificando na direita (embaixo da conclusão) quais premissas e quais regras foram usadas:  



Agora você tem uma premissa mais que você pode usar para resolver o exercício. Volte portanto a se perguntar o que você precisa para derivar a conclusão. A conclusão é a conjunção de A e D. Você agora tem A. Se pudesse derivar D, teria resolvido o exercício. Lembre que você poderia derivar D aplicando o modus ponens á segunda premissa, se só você tivesse (A V C). Olhe de vez em quando para as regras. Quais regras permitem derivar uma disjunção? Novamente, é apenas a regra de adição que permite isso. Alem disso, a regra é "creativa", no sentido que permite derivar uma disjunção que contem um disjunto que não esta contido na premissa. Você pode portanto derivar A v C usando essa regra:

Novamente, na direita da nova premissa (4) indiquei a regra que foi usada (Ad.) e o numero da premissa á qual foi aplicada (3). Agora pode derivar D aplicando o modus ponens á premissas 2 e 4:

Finalmente, você pode derivar a conclusão, A e D, sendo que você tem tanto A (premissa 3) como D (premissa 5) entre as premissas, e pode aplicar a regra de Conjunção (Conj.): 

Isso conclui o exercício, dado que a ultima linha (6) contem a conclusão. 



Cancelamento das aulas dos dias 7/5 e 9/5

Car@s alun@s, na semana que vem (terça-feira 7/5 e quinta-feira 9/5), não haverá aula, pois esterei participando a um congresso.